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MAM unido contra o fascismo e a censura

Artista e comunicadora cultural, Andrea Lombardi conta como foi a invasão falso moralista à exposição 35º Panorama da Arte Brasileira

Meu nome é Andrea Lombardi e trabalho no MAM-SP há quase sete anos na área de parceiros corporativos e nas mídias digitais. O que eu e meus colegas do museu passamos na sexta 29 de setembro durante a invasão (sim, foi uma invasão – eles pagaram os R$6 de entrada, mas não estavam interessados na exposição e nem no museu) de pessoas ligadas ao MBL, Alexandre Frota e movimentos conservadores, mostra o quanto estávamos firmes e resistindo à barbárie. Se existia alguma beleza nisso tudo, foi ver o museu unido contra essas pessoas que claramente não estavam interessadas no debate e sim na histeria coletiva.

Desde quinta-feira (28), por volta das 20 horas, de forma sistemática, ativistas neoliberais iniciaram uma série de ataques sob acusação de pedofilia, nas redes do museu, após uma mulher postar um vídeo em que sua filha manipulava o artista Wagner Schwartz durante a performance “La Bête” na abertura do 35o Panorama da Arte Brasileira, na última terça-feira (26).

Eu estava lá, participei da performance, assim como outros colegas. O trabalho apresentado na ocasião não tem conteúdo erótico e trata-se de uma leitura interpretativa da obra Bicho, de Lygia Clark, historicamente reconhecida pelas suas proposições artísticas interativas. O artista se deixava manipular pelo público sem sequer trocar palavras ou olhares com quem interagia na obra, como se ele fosse apenas um objeto a ser manuseado pelo público. A sala estava devidamente sinalizada sobre o teor da apresentação, incluindo a nudez artística, seguindo o procedimento regularmente adotado pela instituição de informar os visitantes quanto a temas sensíveis.

A histeria nas redes continuou pela madrugada afora. A maioria replica as acusações à performance sem terem visto o que de fato ocorreu, sem entender seu contexto, apenas deixando-se levar pelas ondas de ódio que as redes sociais tão facilmente criam e repercutem.

Ontem pela manhã as caixas de e-mails de todos os funcionários estavam cheias de mensagens violentas e nossos telefones não paravam de tocar. Algumas raras pessoas que nos ligavam estavam interessadas em saber o que ocorreu, a maioria apenas ligava para xingar ou nos ameaçar. Sim, todos sofremos ameaças! Estão todas documentas.

Por volta das 17 horas, Alexandre Frota e seus amigos chegaram ao museu. Acho que nunca tinham entrado, pois abriam as portas dos setores administrativos achando que iriam encontrar pessoas peladas ou algo do tipo. Depois de 20 minutos chegaram mais pessoas, mas que não passavam de 30. Algumas carregando a bandeira do Brasil, outras gritando Bolsonaro 2018, questionando “o que vocês estão fazendo com as nossas crianças?”, jogando pedra da Geni – aka Lei Rouanet, etc. Aquele discurso cansaaaaaado do MBL que consegue, tristemente, impactar muitos por aí.

Não existia diálogo. Era só gritaria. Eu tentei duas vezes argumentar com duas senhoras descontroladas, mas é difícil manter a calma com se trata de falsos moralistas, que em nome dos bons costumes querem acabar com a diversidade. Quanto me vi, estava com as pernas tremendo e com o coração batendo forte.

A “manifestação” durou em torno de 1 hora. Em meio aos recentes acontecimentos foi reconfortante saber que existe uma união do setor cultural. Todos os diretores e curadores das grandes instituições culturais de São Paulo estavam conosco. Os mesmos que levantam taças em jantares de colecionadores, eram os que recebiam xingamentos de maneira indignada mas pacífica. Todos se posicionaram e apoiaram a equipe do MAM-SP naquele momento.

Foi bom saber que o museu não irá se calar. Assim, como todas as instituições declaram apoio público ao MAM. Para esse fim de semana convoco todos para levarem seus filhos, amigos, namorados, namoradas para virem ao museu e declarar seu apoio.

Aqui, deixo o texto de abertura da exposição que está na parede do 35º Panorama da Arte Brasileira, escrito pelo curador Luiz Camilo Osório:

BRASIL POR MULTIPLICAÇÃO

Da adversidade seguimos vivendo. Em 1967, Hélio Oiticica escreveu um texto determinante para se pensar a arte e o Brasil. Intitulado “Esquema Geral da Nova Objetividade”, há nele um desenho panorâmico da cena artística àquela altura e dos desafios a serem enfrentados. Escrito em um momento politicamente tenso, com desalentadoras perspectivas de futuro, para dizer o mínimo, ele destaca seis características da arte brasileira: (1) vontade construtiva; (2) tendência para o objeto; (3) participação do espectador (corporal, tátil, semântica); (4) abordagem e tomada de posição em relação a problemas políticos, sociais e éticos; (5) tendência para proposições coletivas; (6) ressurgimento e novas formulações do conceito de antiarte.

Uma pergunta, ainda atual, perpassava a escrita do Esquema Geral: como apostar em uma relação nova entre singularidade local e inserção global. No caso da cultura brasileira – e isso foi colocado de modo muito original pela geração tropicalista sob a influência da Antropofagia – nossa singularidade foi sendo construída pela mistura de diferentes matrizes culturais. Ou seja, não temos uma essência própria, uma marca de origem a ser depurada de qualquer contaminação indesejada, vivemos da apropriação constante do outro, somos uma colagem de influências que não para de se transformar. Como escreveu Oiticica, estamos sempre “à procura de uma caracterização cultural, no que nos diferenciamos do europeu com seu peso cultural milenar e do americano do norte com suas solicitações superprodutivas”.

As seis características apontadas acima seguem valendo – não obstante as diferenças de contexto – para se pensar a arte produzida hoje. Buscamos evidenciar isso neste Panorama. Sem qualquer tematização daquelas tendências, elas perpassam indiretamente os trabalhos aqui apresentados. A despeito da falência da ideia de progresso e de uma avassaladora crise urbana e ambiental, ainda resiste uma vontade construtiva entre nós. Uma construção que se sabe frágil, mas crucial para enfrentar os riscos de uma informalidade desagregadora. Nota-se também uma crescente abertura do fazer artístico para problemas sociais, éticos e políticos, ou seja, para um engajamento, nada simplificador, que acredita nas brechas em que a arte quer se infiltrar para tentar mudar as coisas – sabendo-se que querer mudar não basta e que sua impotência pode ter desdobramentos imprevistos.

Reunir em uma exposição, que se pretende um Panorama da Arte Brasileira, desde a concretude da intervenção arquitetônica até a fluidez da dança, passando pelo audiovisual, pela escultura, pela fotografia e pela palavra, mais que explicitar a diversidade da cena contemporânea, em que a divisão de meios expressivos e de disciplinas parece obsoleta, busca ressaltar a multiplicidade de tempos que compõem nosso momento histórico. O tempo do corpo que dança, da palavra escrita e da imagem projetada respondem a formas de percepção e de experiência plurais. Simultaneamente, é parte de nosso desafio articular os diferentes imaginários que se contaminam e se multiplicam no Brasil entre a cidade e a floresta, as comunidades periféricas e os centros cosmopolitas, entre o caos, a indeterminação e o mito.

Misturar poéticas conflitantes, trazer outras vozes e gestos para dentro das instituições que constroem as narrativas hegemônicas, revelar antagonismos e diferenças, tudo isso é parte de uma ideia de Panorama e de uma discussão sobre o Brasil. Isso, no exato momento em que o Brasil vive uma de suas piores crises de identidade, quando a promessa de futuro virou uma terrível distopia que constrange as possibilidades do presente, parece propício colocar, mais uma vez, a pergunta sobre o Brasil. O Problema-Brasil é um desafio e uma miragem: aparece como promessa de alegria, mas escapa quando vamos em sua direção. E, a cada passo, parece que vai para mais longe. Entretanto, não dá para virar as costas; há que se encarar a miragem, ao mesmo tempo ilusória e real, fazendo deste enfrentamento o caminho para nos tornarmos menos assombrados com nossa assustadora incompetência coletiva. A arte é o espaço disponível para ampliarmos o campo do possível.

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