Mais uma mãe morre em noite de chacina da polícia no Rio
Janaína teve seis parada cardíacas enquanto outros adolescentes eram, como o filho dela havia sido há três anos, mortos na guerra que o Estado faz contra os pobres, pretos e periféricos
As mães de jovens mortos pelas polícias no Brasil também são vítimas do Estado. foto: www.mediaquatro.com
A virada de segunda pra terça foi mais uma madrugada de dor, tristeza e choro nas comunidades cariocas. O Batalhão de Operações Especiais do Rio de Janeiro, o BOPE, realizou uma “operação surpresa” no complexo de Favelas da Maré, na zona norte da cidade, por supostamente ter recebido informações que supostamente haveria supostos traficantes atuando supostamente em várias áreas da comunidade. O saldo de mortos, no entanto, não é suposto. De fato pelo menos cinco pessoas foram assassinadas na intervenção policial, apesar de por enquanto somente três terem sido identificadas: o professor William de Oliveira, a tatuadora Zezé e um rapaz de nome Thiago Ramos Pereira. Ao menos outras oito pessoas também foram feridas por disparos de arma de fogo, confirmando a estatística que mostra um aumento de 72% na letalidade das ações policiais de julho a setembro desse ano no estado em relação ao mesmo período do ano passado, conforme o Instituto de Segurança Pública. São mais 13 famílias sofrendo e chorando por seus entes queridos. Talvez mais cinco mães que perderam seus filhos para a violência policial que só deve aumentar com a eleição de um governador que quer comprar drones assassinos de Israel e posicionar atiradores de elite para “mirar só na cabecinha e… fogo”.
Enquanto essas mães começavam a entender o que significa na prática ter um filho morto pela polícia para provavelmente nunca ver a justiça sobre o homicídio, outra mãe carioca que conhecia bem essa história se despedia da vida. Janaína Soares, da comunidade de Manguinhos, não resistiu a mais uma noite de luto. Ela lutava há três anos junto a outras vítimas como ela mesma contra a impunidade policial. Seu filho, Cristian, de apenas 13 anos, foi morto numa ação que contou com policiais civis e militares em setembro de 2015.
Foto de Janaína Soares com camisa ilustrada com a imagem do filho Cristian, morto há três anos. foto - Facebook Débora Maria Silva
Janaína, aliás, não foi a única mãe de jovem morto pela polícia que cujo coração não resistiu. Em agosto desse ano, Vera Lucia Soares dos Santos, uma das fundadoras do movimento paulista Mães de Maio (nome retirado do mês em 2006 no qual cerca de 600 jovens foram mortos em 10 dias, começados no domingo dia das mães, pela PM de São Paulo) também chegou a seu limite de resistência. Ela havia perdido em uma única noite a filha, Ana Paula, grávida de quase nove meses da neném Bianca que não chegou a nascer, e o genro Eddie Joey, que haviam saído para comprar um litro de leite na periferia de Santos. A injustiça havia legado uma profunda depressão tanto a Vera, como a Janaína.
Vera Lúcia, a única loira na foto, em protesto das Mães de Maio na Praça da Sé – São Paulo – foto: www.mediaquatro.com
Veja abaixo desabafo de Débora Maria Silva, também fundadora das Mães de Maio com Vera e amiga de lutas de Janaína. E depois, o relato das mortes pela ativista Natasha Neri:
Débora Maria Silva carrega cruz com fotos de vítimas da polícia em evento em Santos – foto: www.mediaquatro.com
É com muita dor na alma Que Noticiamos o Falecimento, hoje da Nossa Mãe Janaína de Manguinhos RJ. Mãe de Cristian… morto aos 13 anos.
Vítima fatal do Terrorismo do Estado Fascista. Janaína e outras Mães que Morreram lutando Por Justiça pelo assassinato Brutal #Não serão Esquecidas.
NÃO IREMOS JAMAIS NOS CALAR…
Nós #Mães Exigimos Respeito! Malditos…Parem de Nos #Matar Total Solidariedade aos Familiares As Mães de Manguinhos e Tod@s Amigos. Janaína..Presente..Hoje é Sempre. Vera Lúcia..Presente..Hoje é Sempre.
O Rio não amanheceu
Por: Natasha Neri
De madrugada, enquanto os caveirões e capitães do mato invadiam as favelas da Maré e disseminavam o terror pelas ruas e vielas, tombava, vítima de infarto, Janaina Soares, mãe de Cristian Soares, morto aos 13 anos, em 2015, numa operação da Divisão de Homicídios e da PM em Manguinhos.
Janaina começou a se sentir mal ontem durante o dia, mas não quis ir ao hospital. Mesmo passando muito mal, se negava a aceitar ajuda. A depressão a acometeu nesses últimos 3 anos, tendo idas e vindas no ativismo dos familiares, mas sempre se reerguendo, com um sorriso largo no rosto.
Dois dias antes, no domingo, viu o Estado matar outro adolescente de 17 anos, perto de sua casa. Mandou as fotos do corpo para as companheiras do Mães de Manguinhos. Ninguém sabia o nome do menino, que não era morador de Manguinhos. Janaina ficou atordoada, triste, desesperada. A cada morte na favela, as mães que perderam seus filhos revivem os assassinatos e sentem na pele a morte outra vez.
Foram três adolescentes mortos pelos fuzis do Estado essa semana nas favelas. Mas a mídia noticia que eles foram vítimas de “bala perdida”, essa categoria que contribui para a legitimação do processo social do genocídio.
O dia nem amanheceu e o Estado aterroriza a Maré e o Complexo do Alemão. O helicóptero aéreo dispara no Alemão. Dona Tereza, que teve seu filho morto pelo Estado, não pode sair de casa, pois “não dá para botar a cara para fora de casa. É muito tiro”.
Às 7h, a confirmação. Janaína foi morta pelo Estado. Teve seis paradas cardíacas.O Estado matou Cristian e agora levou sua mãe, vítima de depressão. O extermínio promovido pelo Estado corporificado no peito de Janaína. O coração adoecido da mãe parou de pulsar.
Nos grupos de familiares de vítimas, o desespero das companheiras de luta de Janaína. O sofrimento. O grito. O choro. As Mães de Manguinhos saem pelas ruas atrás da família de Janaína. As outras mães se deseperam, passam mal, vomitam, tomam calmante, tremulam. O Estado aniquila a saúde das mães e moradores de favelas. Quantos mais tem que morrer para o genocídio acabar?
“A bala tá voando”, conta um morador da Maré, que passou a noite em claro, por conta da chuva de tiros da polícia. Mais quatro mortos pelo Estado, além de outros feridos. Um professor, William, assassinado em via pública pela polícia. A TV afirma que ele tinha passagem por porte de arma. Mais uma vez, a mídia criminaliza os mortos pelo Estado, e este afirma que a operação foi “bem sucedida”, pois apreenderam drogas.
Dona Tereza ainda não conseguiu sair de casa no Alemão, pois a polícia continua violando os direitos dos moradores. E a operação na Maré não acabou. As mães de vítimas continuam chorando. Um choro coletivo. A morte é coletiva. Mas uma abraça a outra, se afagando, se consolando, se fortalecendo. “Vamos resistir, por Janaína”, elas gritam.
Veja mais reportagens sobre as Mães de Maio nos Jornalistas Livres em: https://medium.com/jornalistas-livres/n%C3%A3o-acabou-tem-que-acabar-6073387484f, https://medium.com/jornalistas-livres/maior-problema-do-brasil-n%C3%A3o-%C3%A9-a-corrup%C3%A7%C3%A3o-%C3%A9-o-genoc%C3%ADdio-da-popula%C3%A7%C3%A3o-preta-pobre-e-perif%C3%A9rica-d517e53ac989, https://medium.com/jornalistas-livres/garantir-ao-genoc%C3%ADdio-da-popula%C3%A7%C3%A3o-perif%C3%A9rica-a-mesma-visibilidade-e-provid%C3%AAncias-de-assassinatos-ccf52cbc71dc e https://medium.com/jornalistas-livres/%C3%A9-a-m%C3%A3o-do-capit%C3%A3o-do-mato-que-est%C3%A1-atr%C3%A1s-de-cada-homem-fardado-c06645393e70.
Fotos: Vinicius Souza e Maria Eugênia Sá – www.mediaquatro.com