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“De um lado esse carnaval, de outro a fome total”

Governo bolsonarista de Mato Grosso promove churrasco com carnes exóticas para fazer conchavos políticos enquanto a população segue na fila do osso na porta de trás de açougues



Texto: Vinicius Souza. Fotos da fila do osso: Francisco Alves

Com informações do MinutoMT (https://minutomt.com.br)


Quando os Paralamas do Sucesso cantavam A Novidade, parceria com Gilberto Gil, na década de 1980, traziam na letra uma metáfora sobre os “dois brasis” diante de uma sereia: um querendo seus beijos de deusa, outro seu rabo pra ceia. Esses brasis que pareciam ter se reconciliado, pelo menos em parte, nos anos de governo Partido dos Trabalhadores, com a ascensão da chamada “nova classe média” e a drástica redução da pobreza e da miséria absoluta, estão novamente divorciados, com as elites econômicas se fartando “até com carne de jacaré” enquanto boa parte da população disputa (muitas vezes pagando, e caro) ossos, carcaças e pés de frango. Nesse quesito, talvez nenhum estado da nação seja tão exemplar quanto o maior produtor de proteína animal do planeta: Mato Grosso. E uma prova disso é a matéria sobre a fila do osso que publicamos recentemente https://jornalistaslivres.org/quem-procura-osso-e-cachorro-a-fome-bolsonarista-humilha-a-populacao/.




Foto: Francisco Alves – Fila do Osso em Cuiabá. 2021


O terceiro álbum da banda de rock nacional, Selvagem?, que traz a música citada no título desse artigo, é de 1986, dois anos depois das grandes mobilizações pelas eleições diretas para presidente e dois anos antes da promulgação da Constituição de 1988, que traria em seu artigo 6º os “direitos sociais” da população, incluindo o direito à saúde e à assistência aos desamparados, aos quais seria acrescido mais tarde (em 2010) o direito à alimentação, para deixar ainda mais explícito o dever do Estado em garantir comida ao povo. O desgoverno atual, entretanto, faz questão de ignorar isso.


Foto: Francisco Alves – Fila do Osso em Cuiabá. 2021


A década de 1980 viu o fim formal da ditadura militar e suas consequências econômicas e sociais. Uma delas era a hiperinflação, que chegou a bater 85% ao mês, destruindo o poder de compra dos salários, inclusive de compra de comida. Essa também é a época dos planos econômicos mirabolantes que desestruturavam vários setores e às vezes eram bombardeados por setores poderosos que se sentiam prejudicados em seus interesses. http://memorialdademocracia.com.br/hiperinflacao


Foto: Francisco Alves – Fila do Osso em Cuiabá. 2021


Após o Plano Cruzado, de 1986, que congelou salários e preços de produtos, vários grandes pecuaristas pararam de fornecer carne ao mercado interno, mantendo o gado vivo para abater somente quando pudessem lucrar mais. A falta de carne era tão grande que o governo baixou um decreto para a Polícia Federal caçar boi nos pastos. Hoje os latifundiários exportam toda a produção em dólar e o governo sequer finge que vai tentar incentivar maior oferta interna para derrubar os preços. E não é só de carne. O Brasil teve de importar soja no ano passado dos EUA porque os produtores exportaram toda a produção, especialmente para a China, e o governo esvaziou os estoques reguladores.



Depois da ditadura, a fome se espalhou tanto pelo Brasil que na década seguinte o sociólogo Betinho (o tal “irmão do Henfil” da música O Bêbado e a Equilibrista) iria inaugurar a Ação Da Cidadania Contra a Fome https://www.natalsemfome.org.br/ para arrecadar alimentos da própria sociedade e garantir ao menos um Natal Sem Fome para milhares de famílias. A ação perdeu sentido há alguns anos, quando o Brasil saiu do Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas, em 2014 . Mas voltou, no ano passado, junto com a fome e um governo militar. Nesse domingo, dia 17, houve uma grande mobilização no Rio de Janeiro para arrecadação de alimentos. Afinal, temos oficialmente, de novo, quase 20 milhões de pessoas com fome no Brasil e mais da metade da população com “insegurança alimentar”, um jeito menos cruel de dizer que não sabem se terão comida amanhã.


Foto: reprodução – Betinho à frente da Ação da Cidadania Contra a Fome


No sábado, dia 16, houve várias manifestações contra a fome no país, marcando o Dia Mundial da Alimentação . Na sexta-feira, dia 15, movimentos sociais como MST se encontraram com lideranças petistas em São Paulo, incluindo o ex-presidente Lula, para debater estratégias conjuntas de combate à fome.


Reprodução Brasil de Fato – Ex-presidente é presenteado por indígenas durante o encontro com movimentos sociais – Foto: Igor Carvalho


Ao mesmo tempo, em Tangará da Serra, interior do Mato Grosso, quem se reunia no 1º Encontro de Líderes e Empreendedores do Brasil, em frente a uma linda cachoeira, com carnes de todo tipo assando num fogo de chão típico gaúcho, era o governador do estado, Mauro Mendes, do DEM, políticos e os mais ricos empresários da região. Tudo regado pelas melhores bebidas e com patrocínio do governo municipal, estadual, da Assembléia Legislativa e da MT PAR, empresa de “economia mista” criada para “gerar investimentos” privados no estado.


Foto: reprodução MinutoMT


De acordo com reportagem do MinutoMT, o rega bofe tinha “Bebida de alta qualidade, como champagnes e whiskys que custam mais do que o trabalhador tem por mês para sustentar sua casa”. E completam que evento: “contou ainda com as ilustres presenças dos consagrados cantores Alexandre Pires e Daniel.” A ideia do encontro, promovido pelo ex-senador Cidinho Santos (PSL), era realmente reconciliar o governador com os empresários desgostosos com aumentos de impostos, num segundo passo depois que Mauro Mendes empossou o irmão do ex-senador, Wener Kesley dos Santos, na presidência da MT PAR. Aos “líderes empreendedores”, os beijos da deusa Estado. Aos pobres, nem a espinha de peixe, muito menos um rabo pra ceia.


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