“Quem procura osso é cachorro”. A fome bolsonarista humilha a população
Não, não são os cães que buscam qualquer fonte de proteína como seus antepassados lobos. No Brasil de Bolsonaro, os famintos são gente que espera pacientemente em longas filas de doação atrás de um açougue de Cuiabá, capital do estado que mais produz carne no país
Distribuição de ossos em açougue de Cuiabá. Foto: Francisco Alves
Fotos: Francisco Alves
Antes de se tornar presidente, o então deputado Jair Bolsonaro pregou um cartaz na porta de seu gabinete em Brasília ofendendo os familiares e ativistas de direitos humanos que lutavam para encontrar e identificar ossadas de mortos e desaparecidos pela ditadura militar. Isso foi pouco antes do Brasil finalmente sair do Mapa da Fome da ONU, uma vergonha histórica para um dos maiores produtores de alimento do mundo. A foto que ele distribuiu para a imprensa ficou marcada na cabeça de muita gente como o escárnio que representa e mais uma prova cabal (como se fosse preciso) de sua índole fascista. Mas naquela época ainda não se imaginava que ele poderia subir ao cargo máximo da nação para poder cumprir a promessa, feita em 1999, que previa um golpe e uma guerra civil na qual morreriam pelo menos 30 mil.
No rastro do Golpe contra o governo Dilma Roussef em 2016, o Brasil passou a regredir rapidamente nas conquistas sociais mínimas (como pleno emprego e fim da fome estrutural) que havia conquistado com grande dificuldade nos anos anteriores. Desde as manifestações de 2015 uma parte da população vestindo a camisa da corrupta CBF pedia “seu” país de volta. Um dos maiores escândalos do governo golpista do Michel Temer teve como base exatamente a corrupção de um dos maiores produtores de carne do Brasil e do mundo, a JBS.
Assim que assumiu, Bolsonaro disse em jantar na embaixada do Brasil nos EUA para o Steve Bannon e o Olavo de Carvalho que “o Brasil não é um campo aberto para construir nada. Nós temos é que desconstruir muita coisa que foi feita nos últimos anos”. Sua promessa, então, era voltar aos “bons e velhos tempos da ditadura”. Não dá pra dizer que a gente não sabia.
Temos atualmente mais de 19 milhões de pessoas com fome e 49% da população com “insegurança alimentar”, ou seja, quando acordam não sabem se terão o que comer durante o dia. Enquanto isso, o Ministro da Economia, o “posto Ipiranga” do governo, a “confiança do ‘Mercado’”, dizendo que os ricos podem doar as sobras dos restaurantes e a Ministra da Agricultura dizendo que não há fome no país porque as pessoas pegam mangas nas ruas.
Escárnio, escárnio, escárnio e nenhuma carne!
É osso, só osso!
Essa semana, um açougue localizado no bairro CPA II, em Cuiabá, capital de Mato Grosso e do agronegócio no Brasil, ganhou destaque nacional por causa de uma ação de distribuição de ossos que faz há dez anos pra quem pedisse. Muita gente pegava mesmo pra dar pros cachorros. Mas isso mudou nos últimos três anos. A procura começou a crescer e a distribuição teve de ser organizada com horários fixos todas as segundas, quartas e sextas-feiras. Embora comece às 11h, por volta das 8h já chegam alguns moradores da região, que acordam cedo para ir caminhando até o açougue.
A fila é longa. Os olhares tristes. Os ossos, das pessoas, logo sob a pele fina. E não é “só” pessoas em situação de rua. Muitos estão entre os milhões que voltaram à linha de pobreza ou pobreza extrema mas ainda têm um teto, mesmo que precário ou “de favor”. Famílias inteiras com crianças, velhos, mulheres. Gente de capacete, provavelmente trabalhadores de aplicativos que levam comida boa pra classe alta mas não conseguem o alimento pra levar pra casa. A maioria tem vergonha de estar nessa situação e cobre o rosto. Vergonha devíamos ter nós.
De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Mato Grosso teve 180 mil pessoas desempregados no primeiro trimestre de 2021. Paralelo a isso, o botijão de gás no Estado custa cerca de R$ 125 e é o mais caro do país. Em Cuiabá, a cesta básica sai por R$ 594,99, se tornando a segunda mais cara do Brasil. A capital mato-grossense fica atrás somente da cidade de São Paulo, onde o valor é de R$ 595,87, conforme Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos realizada pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
Esse é o Brasil que voltou aos seus “donos” originais. Como um cachorro que tenta fugir das agressões de um dono imbecil e é obrigado a voltar, humilhado, pra comer restos e não morrer de fome. Até quando vamos aceitar esse papel?
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