Angola em dias de esperança
Depois de 41 anos de guerra, o país se abre ao mundo com expectativa de dias melhores
Textos e fotos: Vinicius Souza e Maria Eugênia Sá
“Estávamos todos cansados da guerra, mas se o Savimbi não tivesse morrido ela não teria acabado. Agora com a Paz tudo será diferente”. As frases acima, ditas por um motorista em nossos primeiros dias em Angola, refletem bem o sentimento atual da população e seriam repetidas inúmera vezes em nossa viagem. Carismático e controlador, Jonas Savimbi, o líder da guerrilha de direita UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola), não deixou sucessores. Com sua morte, parece que o processo de paz tantas vezes ensaiado finalmente pode se instalar. O trabalho de reconstrução será longo e custoso, mas a esperança de dias melhores está por toda a parte.
“Como a expectativa de vida de um angolano é de apenas 40 anos, a maior parte de nós nunca teve um dia de paz”, explica Paulo Mandavela, secretário do GBECA – Grupo Bíblico de Estudantes Cristãos. “Seis meses atrás não conseguiríamos reunir metade dos estudantes que temos aqui hoje”, diz apontando para os quase 100 jovens vindos de todas as províncias do país e que já podem cruzar as estradas, ainda esburacadas e algumas até minadas, sem medo de emboscadas e franco atiradores da guerrilha.
A capital é uma metrópole com 5 a 7 milhões de pessoas e uma inegável “cara de Brasil”. Do avião, a Baía de Luanda se parece muito com Salvador ou mesmo Rio de Janeiro. Mais de perto, entretanto, a realidade é mais dramática. O desemprego geral faz com que haja ambulantes por toda parte. Vendedores nos sinais oferecem água, cerveja, biscoito, e também ferramentas, ventiladores e todo tipo de bugiganga. O transporte público ineficiente dá espaço a milhares de lotações irregulares que disputam as ruas mal cuidadas com velhos carros soviéticos e brasileiros caindo aos pedaços. E nas esquinas as mulheres trocam o desvalorizado Kawnsa por dolares a taxas melhores do que nos bancos.
No centro de Luanda, o casario em estilo colonial está decadente e normalmente abriga cortiços. Os prédios do período socialista também, com dezenas de parabólicas penduradas nas fachadas. Mas existem “ilhas” de excelência, afinal não há uma classe média, apenas os muito ricos ligados ao governo ou às indústrias de petróleo e diamantes, e os muito pobres que vivem como podem. A chamada Ilha de Luanda, na verdade uma restinga, reúne por exemplo boa parte das residências de funcionários de embaixadas e organismos internacionais.
A ilha tem um pequeno parque e as melhores praias urbanas de Luanda, voltadas para o oceano e opostas à baía que abriga o porto onde nasceu a cidade. Existem ainda os bairros de classe alta e condomínios fechados de excelente padrão, cercados por muros e com guardas armados. É o caso da vila onde mora o pessoal da Odebrechet, empreiteira baiana responsável por grandes obras em Angola como a hidroelétrica de Capanda que deverá abastecer todo o país e até vizinhos. Nas periferias, por outro lado, o cenário é dominado pelas favelas, com minúsculas casas construídas com tábuas ou tijolos de adobe. Como não cai uma gota de chuva entre maio e outubro em Luanda, também é grande o número de pessoas vivendo nas ruas.
A influência brasileira é imensa: o futebol é paixão nacional, a MPB é hit nas rádios, o carnaval tem desfiles de escolas de samba e são comuns boates com nomes como Copacabana e Brasília. As novelas brasileiras então são uma febre em Angola, que batizou seu maior mercado a céu aberto sintomaticamente de Roque Santeiro. Em setembro de 2002, a TPA (Televisão Pública de Angola) exibia a interminável Malhação, a “italiana” Terra Nostra e a memorável O Bem Amado.
Ouvindo diariamente sotaques carioca, italo-paulistano e baiano, até mesmo o acento lusitano do idioma falado nas ruas vem pouco a pouco perdendo intensidade e ganhando gírias brasileiras. É a retro-alimentação de um fenômeno que trouxe para a língua falada aqui palavras africanas em Umbundu e Kimbundu como samba, bunda, capoeira e quizumba. Fora as produções brasileiras, o maior sucesso da TV angolana atualmente é o programa Nação Coragem. Baseado no já quase secular serviço de reunificação familiar desenvolvido pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha, o Nação Coragem abre semanalmente suas câmeras na Praça 1º de Maio, para que as famílias perguntem por parentes desaparecidos nos 41 anos de guerra. “Desde a assinatura do novo acordo de paz em abril de 2002, estamos vendo uma aumento de pelo menos 25% nas reunificações familiares”, conta Caspar Landolt, delegado de comunicação do CICV. O programa já foi alvo de matérias em veículos por todo o mundo, incluindo o New York Times e Jornal Nacional no Brasil. “Não existem números exatos porque muitas vezes as pessoas se encontram na praça e os nomes continuam nas listas, mas a tendência de crescimento é clara e atinge o país inteiro”.
Longe da capital, a vida segue outro ritmo. Em Huambo, por exemplo, não existe uma única casa que não apresente centenas de buracos de bala nas paredes. A população, entretanto, é ainda mais simpática. As crianças riem fácil, pedem fotos e brincam de bola exatamente como qualquer moleque no interior do Brasil. A província de Huambo, por ter sido muito afetada pela guerra, também é um importante centro de ONGs que mantêm campos de deslocados, de distribuição de alimentos e hospitais que atendem toda a região. O CICV, por exemplo, reformou e re-estruturou o hospital da cidade. “Tivemos que montar um sistema alternativo de água e treinamos o pessoal para quando sairmos do país”, conta Sylvana Rugolotto, delegada de saúde. “A entidade atua apenas em países que estão em guerra e a idéia é torná-los auto-suficientes para tempos de paz”. Já em Kaála, a mais de uma hora de carro da capital da província, são os Médicos Sem Fronteira que mantém um hospital de campanha.
Mesmo ainda dependendo da ajuda internacional para sobreviver, é difícil encontrar em Huambo alguém que não esteja otimista em relação ao futuro do país. Eles comentam sobre os tempos de grande produção de frutas, o agradável clima de planalto da região que está a 1700 metros de altitude, e a vocação da cidade para centro educacional, turístico e, porque não, administrativo da nação. Afinal, já foi chamada de Nova Lisboa.
Com um litoral equivalente ao que vai de Vitória no Espírito Santo a Recife em Pernambuco repleto de praias de águas mornas; planaltos de vegetação abundante; uma das maiores bacias hidrográficas da África; recursos minerais que podem gerar o dinheiro necessário para o investimento na reconstrução das estradas e infra-estruturas de água e energia; e principalmente uma população gentil e hospitaleira, Angola tem tudo para se tornar um grande destino turístico num futuro não muito distante.
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